terça-feira, 4 de setembro de 2012

moto-perpétuo de nossas desilusões está sujeito a maior variedade

"E possivelmente o moto-perpétuo de nossas desilusões está sujeito a maior variedade. As aspirações de ontem foram válidas para o eu o de ontem,não de hoje. Ficamos desapontados com a nulidade do que nos apraz chamar de realização. Mas o que é a realização? A identificação do sujeito com o objeto de seu desejo. O sujeito morreu - quem sabe muitas vezes - pelo caminho. Que o sujeito B fique desapontado com a banalidade de um objeto escolhido pelo sujeito A é tão ilógico quanto esperar que nossa fome se dissipe com o espetáculo de titia tomando sua sopa. Mesmo supondo que, por um desses raros milagre de coincidência, quando o calendário dos fatos corre paralelo ao calendário dos sentimentos, a realização tenha-se dado, que o objeto do desejo (no sentido estrito dessa doença) tenha sido conquistada pelo sujeito, neste caso a congruência é tão perfeita, o estado-do-tempo da aspiração que o real parece o inevitável e (todo esforço intelectual consciente de reconstituir o invisível e o impensável como uma realidade sendo em vão) tornamo-nos incapazes de apreciar nosso contentamento, comparando-o com nosso pesar. A memória voluntária. Proust o repete ad nauseam, não tem valor como instrumento de evocação e provê uma imagem tão distante do real quanto o mito de nossa imaginação ou a caricatura fornecida pela percepção direta. Não há mais do que uma impressão real e um modo adequado e evocação. Tal realidade e tal modo serão discutidos em seu devido lugar."

(Samuel Beckett in Proust. Ed. Cosac & Naif, p. 12-13)

http://www.facebook.com/vencaluisa

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